"Somos anjos duma asa só e só podemos voar quando nos abraçamos uns aos outros."

Pensamento de Fernando Pessoa deixado para todos os que estão na lista abaixo e àqueles que passam sem deixar rasto. Seguimos juntos!

OS AMIGOS

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

ESTRELA-DO-MAR

Esta é mais uma história do meu
"Almirante das Histórias"



A idade já pesava um pouco embora os seus passos apressados não a denunciassem.
Naquele dia, tal como acontecia quando os ventos sopravam de feição e o mar repicava a seu jeito, pegava numa cana de pesca e vigorosamente caminhava em direcção ao seu mar. Ia aos sargos. Essa, era uma pesca que requeria da sua parte a escolha da cana apropriada para o efeito. Tinha que ser grande mas ao mesmo tempo robusta, para aguentar com as investidas de força desse tipo de peixe.Experimentado, tinha em casa várias canas escolhidas e apanhadas por ele  nas caniçadas da terra, que conhecia como as palmas das suas mãos.
Mas aquele dia iria ser especial.
Como sempre fez-se ao caminho como se estivesse atrasado, ao ombro a dita cana, na cabeça, o seu típico boné e na boca o seu amado cigarro que custou a deixar. Ao chegar às pedras levantou-as uma por uma para apanhar as minhocas que serviriam de isco. Como todo o bom pescador tinha no bolso das calças um canivete, que pela estima que lhe tinha jamais se separava dele. Havia-lhe sido ofertado pelo primeiro genro, o Ivo, genro esse que Deus já havia chamado para a sua companhia. Não só por isso mas também, tinha uma afeição muito grande por aquele objecto.
Começou a pescar e depressa se entusiasmou aviando o seu balde de peixe em pouco tempo, mas de repente a cana balançou de novo e pelo arco que descrevia anunciava peixe graúdo. Quando isso acontecia a perícia era fundamental, pois não queria partir a cana, mas muito menos queria deixar o seu peixe fugir. Encetou uma luta durante alguns minutos conseguindo finalmente trazer o peixe para cima das pedras. Contente, preparava o seu regresso. Mas eis que, quando numa volta inexplicável a sua faquinha aquela que ele tanto adorava, rolou pelas pedras e caiu ao mar. Impotente, viu-a afundar sem nada poder fazer. Desolado, chegou a casa muito triste, a mulher ao olhá-lo tentava perceber o porquê daquele semblante carregado, pois não condizia de forma alguma com a pescaria que trazia no balde. Até que ele lhe contou que havia ficado sem a sua faca, logo aquela que o seu querido genro lhe tinha dado e que tanto gostava. O seu ar pesaroso dava azo a que numa tentativa para o animar, as filhas dissessem que lhe compravam outra, mas todos se renderam: não iria ser a mesma coisa!
O tempo passou e ele continuou as suas pescarias, inevitavelmente quando voltava ao mesmo pesqueiro lembrava a faca perdida.
Tinha passado mais dum mês e lá estava ele de novo no mesmo sítio.  
Depois da rotina que antecedia o início da pesca, começou-a. Decorrido pouco tempo sentiu que a cana arqueava, num pulo pôs-se de pé para proceder às regras que sabia de cor para não perder o seu peixe. Só que, quando o que pescara ficou à sua frente, as pernas tremeram… os seus olhos não queriam acreditar no que viam e por momentos julgou tratar-se duma visão. Bem preso à sua cana, agarrada ao isco vinha uma estrela-do-mar que por sua vez carregava nas suas potentes ventosas, a sua faca. Por momentos ficou sem fala e preso de movimentos. Só depois e apesar de trémulo jogou quase a medo as suas rudes mãos àquele bem tão precioso, que ele julgava perdido para sempre. Passados uns minutos, já refeito do insólito acontecimento, olhou-a com uma alegria indescritível guardando-a cuidadosamente dentro do seu bolso. Os seus olhos pequeninos olharam a estrela-do-mar que contra a corrente de tudo o que é explicável, lhe havia trazido de volta aquela relíquia. Pondo um olhar carregado de meiguice, agarrou-a com suavidade e restituiu-a ao mar fitando o seu desaparecer como que a dizer-lhe, obrigado…
Regressou feliz carregando aquele tesouro que ainda hoje conserva como uma preciosidade.


(Esta é uma história verídica que se passou com o meu pai, que por ter contornos tão insólitos parece ter sido arrancada duma imaginação fértil)



8 comentários :

  1. Gostei muito desta história .
    È linda e verdadeira

    Concluo que mesmo quando se pensa ter-se perdido uma faca afiada ou mesmo tudo, há sempre uma estrela que nos traz de volta nem que não seja o que se perdeu mas ao menos o que se é de verdade.
    Beijinhos minha amiga

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  2. que historia mais linda amiga ...
    e confesso que até fiquei um pouco arrepiada .
    que lindo , vês ! o genro não queria que o sogro ficasse sem a faquinha que lhe tinha oferecido , e o nosso bom deus lá providenciou a estrelinha para a entregar ...
    que delicia de texto meu anjo ..
    obrigada pela partilha ..
    beijos de onde ? do coração é claro !!!! eh eh .

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  3. Apaixonante!

    Não me ocorrem palavras...
    Fiquei triste pela perda, e, feliz pelo ganho.

    Dizem, que o mar devolve tudo o que não lhe pertence (lenda?).

    Muito obrigada pelo sorriso que me arrancas-te, minha amiga.

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  4. Que linda essa história ! Acredito que tudo que é nosso verdadeiramente é devolvido para gente, quando perdemos, ou achamos que perdemos. Muitas vezes é apenas uma fase a nos silenciar a nos fazer refletir . Mas a fé move montanha. Move céus e mares...


    beijinhos,

    Gisele.

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  5. Que linda e comovente história e ainda por cima verdadeira. Penso que até se poderá dizer que é uma história de AMOR.
    Adorei Dulce e comovi-me porque nem todas as histórias têem um final feliz e, a do meu irmão " o querido Carlos que também adorava ir pescar " foi...e, não mais voltou...
    Mas, eu sei que ELE nos está a proteger, é o MEU ANJO DA GUARDA.
    Beijinhos Paulinha "Horizonte"

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  6. Que linda história de vida Dulce,até estou arrepiada de emoção, pois eu diria mais que foi milagre,a tristeza do seu pai era tanta que Deus lhe devolveu o obecto de estimação através duma estrela não do céu mas do mar.
    Estas aventuras do sr. Almirante das histórias,tem sempre uma mensagem de sabedoria no final,será que a Dulce nunca pensou escrever um livrinho com essas realidades da vida do seu pai?
    Sempre que possa parti-lhe connosco estes textos que devem ser de grande saudade para o Sr. Almirante recordar.
    Um enorme beijo para a Dulce e um respeitoso abraço a esse grande senhor.

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  7. Minhas amigas obrigado todas pelos vossos comentários.
    A Utilia, a Gisele e a Canela deram o toque de conclusão que eu não quis dar, para deixar cada um a pensar por si. Eu também penso assim. Nada acontece por acaso.
    A minha Teresinha fez-me rir com os seus arrepios e pela forma como se expressou:):)
    A Paulinha...bem a Paulinha fez com que saltasse uma lagrimita, pela sua grande perda e por a ter partilhado.
    Paulinha, obrigado. E sim acredito que os que amamos mas já partiram intercedem e olham por nós. São anjos vigilantes.
    Ana ou vóvó nana fico sempre tão feliz quando a recebo...quanto ao livro...pois, o meu pai disse-nos um dia:" Tenho pena que não haja alguém que escreva a minha vida" e arrematou com a simplicidade que o caracteriza que a vida dele daria um filme porque "passou" muito.
    Na minha incompetência de escrever um livro vou no entanto colmatando essa falha com as suas estórias.
    Obrigado a todas.

    Ps: Só mais uma coisita. Um dia o meu sobrinho numa roda de amigos onde contavam e riam das peripércias de cada um, contou esta estória do avô, resultado? Todos o gozaram e chamaram-lhe a mentira da semana. eeeheh
    E é de admirar??

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  8. É difícil descrever as emoções que nos invade ao ler estas "estórias"...primeiro porque recordam um pai que perdi e recordo sempre como uma pessoa extraordinária...depois porque conheço/i os protogonistas da mesma...depois porque eu sei que há coincidências que nos deixam apreensivas e perplexas...BJS

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As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável.
Madre Teresa de Calcutá