"Somos anjos duma asa só e só podemos voar quando nos abraçamos uns aos outros."

Pensamento de Fernando Pessoa deixado para todos os que estão na lista abaixo e àqueles que passam sem deixar rasto. Seguimos juntos!

OS AMIGOS

sábado, 30 de junho de 2012

CONSTRUÇÃO







Estridente o grito do mundo.
Por vezes soa tão violento que se sobrepõe ao meu esforço de o escutar e entender. Nestes momentos, o meu inconsciente toma o leme da minha própria barca e remete-me ao cativeiro como um abrigo compensador da agitação à minha volta…
Torno-me invisível, inaudível e quiçá incompreensível...
Vagueio pelas ruas do meu próprio silêncio onde nunca me perco por mais emaranhada que seja a teia tecida pelos labirintos das palavras que jorram como um puzzle por construir.
Construo-me nas pedras deste silêncio.
Construo-me sem esquemas premeditados; Sem máscaras ou feitiços; Sem pactos com o que rejeito.
Construo-me na verdade de cada “pedra” que encaixo nas paredes da minha alma onde moram os alicerces que não posso deixar esmagar. Esse sustentáculo – VERDADE – é a pedra angular da minha construção permanente. Sem ela seria apenas mais um ser incauto que se rende à ingenuidade de embarcar em todos os "gritos" - até os mais subtis - que perfuram os valores a troco de nada...

Dulce Gomes

sexta-feira, 22 de junho de 2012

OS SAPATINHOS CASTANHOS



Ele teria à volta de quinze anos e os seus pés nus até então, nunca se tinham enfiado nuns sapatos.
Pés calejados, tão calejados como a sua própria alma. Diferiam apenas na forma de calejo. Os seus pés haviam – à força – de se tornar resistentes e à prova de todo o piso.
A alma – essa – apesar de calejada, não enrijou nem com as pisadelas da vida. Pelo contrário, era sensível e permeável aos poucos rasgos de luz que espreitavam pelas nesgas da sua infância, mas que habilmente fazia deles uma estrada iluminada, alimento da sua contagiante alegria. Uma alma tão maleável como os galhos dos pinheiros que – vergados pelo vento – balanceavam os seus sonhos num vaivém de esperança, numa espera de bonança que o verão haveria de repor.

Foi num desses dias de verão que ele se escapou – por uma fresta rígida da opressão da vida que o obrigava a trabalhar de sol a sol e posteriormente nas rochas (à pesca) ao “acejo” da noite (fim do dia) – e foi para a praia.
Cansado, nem se livrou dos “trapos” que o cobriam e estirou-se refastelado – debaixo duma rocha – na areia fina ajeitando-a para si. O sol quente repassou-o até aos ossos e o seu corpo exausto adormeceu por tempo indeterminado. 
Quando acordou, já do sol restavam apenas algumas pinceladas vermelhas varridas pela brisa suave e mal vislumbrava o horizonte.
Aflito e receoso pelo atraso para a pesca ao acejo com o seu pai, levantou-se como se movido por uma mola mas caiu sem forças. Ficaria ali, não fora alguém o reconhecer e levá-lo num esquife para casa.
Pela primeira vez na vida não foi recebido com o cajado que sistematicamente lhe caia em cima do “lombo” ao mais pequeno motivo.

O pai chamou o único médico da terra que o internou no hospital durante um mês com uma pneumonia. Esteve à beira da morte, mas nunca tinha sido tão bem tratado, nem nunca tinha visto o pai tão brando. Pela primeira vez (apesar de não o tratar por filho) lhe chamou pelo nome.

Quando finalmente teve alta hospitalar, o médico disse ao seu pai:
- “Vá buscar a roupa e uns sapatos para o moço. Ele não vai daqui descalço”
Mas o moço não tinha sapatos, nem o pai tinha dinheiro para os comprar.
Perante a firmeza do médico e o embaraço do seu pai, o moço disse a medo que há algum tempo estava a pagar uns sapatos a prestações na mercearia da Mariana Godinho. Custaram 120 escudos, mas ainda faltavam 50 para os poder trazer. Surpreendido ma sem alternativa o seu pai foi busca-los e pagou o restante.
No dia seguinte, pela primeira vez, ele tinha nas suas mãos a caixa dos sapatos tão almejados. E agora deixo aqui as suas palavras:
«Era uma caixa de papelão…novinha… até tinha medo de a agarrar…
Abri-a devagarinho e vejo os meus sapatinhos castanhos a “rir” para mim...deitavam cá um cheirinho a novo…eu que nunca tinha pegado nuns sapatos, quanto mais calça-los, não sabia o que havia de lhes fazer. Até que o médico com um olhar enternecido, me disse:
-“Calça-os filho…”
Desajeitado lá os calcei a medo e pus-me de pé à beira da cama, mas não sabia andar com os sapatos. Parecia uma criancinha a aprender a andar…O chão era de soalho antigo e rangia debaixo dos pés e os sapatinhos brilhavam mais do que o soalho. Devagarinho dei uns passinhos e o soalho fazia: trrrtttt…trrrttt…até tinha medo daquilo…Fui até ao fim do quarto e voltei…e andei às voltinhas. Mas depois, já parecia o Fred Astaire a rodopiar e quanto mais olhava os meus pés, mais contente ficava. Senti-me tão importante... Sai do hospital todo “inchado” de sapatos novos nos pés…»
E arrematou dizendo: O que era a vida…

Nesse dia, os sonhos deste menino (meu querido pai) couberam todos numa caixa de papelão e sentiu pela primeira vez o mundo a seus pés através dum simples par de sapatos, aos quais soube arrancar um “sorriso” e passos de dança à Fred Astaire.


Obrigada Pai
da tua filha caçula



quinta-feira, 21 de junho de 2012

ANTEVISÃO






Um dia…
Serei lembrança fugaz e espaçada
Flutuando na memória do tempo
Obra escondida que de tão acovardada
Ancorou no cansaço que agora invento

Serei ampulheta que a vida encravou
Pondo fim ao toque inato dos meus dedos
Prosas e rimas que Deus me segredou
Sucumbiram à força da mordaça e do medo

Um dia, não serei mais verso batendo no charco
Nem folha em branco onde demarco
Os inquietantes silêncios do meu “eu”

Serei ponto final, última linha
Dum livro que se fecha, vida minha
De pontos e vírgulas que o mundo esqueceu


Dulce Gomes


sexta-feira, 15 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA CONSCIENCIALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA




Assinala-se hoje, dia 15 de Junho, o Dia Mundial da Consciencialização da Violência contra a Pessoa Idosa.
Não consegui deixar passar esta data sem reflectir nela…

Ser idoso é ter que deixar para trás longos anos de labuta e luta, sacrifício e doação à família; Anos de concessões em que foram capazes de relegar para segundo plano os seus desejos e aspirações pessoais em prol dos que amam, e no presente, renderem-se à evidência de que a sua condição enquanto pessoa mudou e se tornou dependente, total ou parcial.
Esta nova e triste fase - humilhante por si só pelo facto de os obrigar a condicionar a sua autonomia à vontade de terceiros - agrava-se de forma drástica quando se sentem rejeitados pelos familiares ou “culpados” pelas contendas entre alguns filhos que medem ao milímetro o que cada um faz com receio de fazerem mais do que os outros; Ou ainda, quando são abandonados à mercê da sua triste sina de solidão como se estivessem num corredor escuro e sem esperança à espera da inevitável morte.
Sei por experiência própria que não é fácil abrir os braços e aceitar a responsabilidade de os tratar; Nem nunca será fácil lidar com a supressão de liberdade pessoal aliada ao cansaço que todo este problema acarreta, mas também comprovo que, se nós abraçarmos esta “missão” com amor e compaixão, somos surpreendidos por uma força interior que nos capacita duma forma desconhecida até então e que excede largamente as nossas expectativas em relação a nós mesmos.
Observo muitas vezes os avós (ainda não sou) cuidando e dando todo o seu tempo aos netos sem um queixume, passando por cima das suas limitações para estender as "mãos de ajuda" aos filhos. 
É fácil amar as crianças... São flores a desabrochar, cheiram a primavera, despertam em nós a alegria da vida no seu apogeu. Os mais velhos fazem-nos confrontar com a decadência física e intelectual que tanto receamos e o medo da morte com a qual não sabemos lidar…

Hoje, ao dar mais uma vez o almoço à minha sogra, olhei-a com a ternura que ela me suscita e pedi a Deus que este sentimento nunca desapareça do meu coração, que esteja sempre à frente do meu cansaço ou interesses. Só por amor e através dele fazemos e alimentamos a nossa vontade de nos suplantarmos; Só o amor transforma os nossos gestos em actos de bem-querer; Só através do amor somos capazes de cuidar bem.
E quem ama cuida.


Dulce Gomes

quarta-feira, 13 de junho de 2012

E VÃO 33...




Hoje amor...   
Resgato as palavras maduras
Caídas no chão do tempo.
As que sinto e
não esqueço
mas que se perdem
na linha reta
do nosso entendimento...
Hoje...
Sabe-me a pouco tudo o que te possa dizer
e percorro todas as curvas e recantos
do teu olhar verde mar
só para te dizer...
AMO-TE AMOR!
Dulce Gomes

terça-feira, 5 de junho de 2012

ASAS DE DEUS

Se a vida te retirar o tapete, lembra-te:
"Estarás sempre debaixo das asas de Deus e com elas não existem vôos impossíveis"




"Ele te cobrirá com Suas penas; debaixo das Suas asas encontrarás refúgio."
Salmo 91, 4

Dulce Gomes

sexta-feira, 1 de junho de 2012

SER MÃE...


Para a minha filha querida...
e para todas as mães

SER MÃE...
Quando te vejo e por te ter
Sou coração de mãe a bater de enlevo e ternura
Coração que se derrete no toque do teu abraço
Num enlaço onde a minha alma se enfeita
Com pozinhos de essência pura.
Amo-te filha e por ti
Visto o meu olhar de esperança
E choro como quem ri…
Sou forte e brava quando fraquejas
Abraço as tuas feridas no silêncio
Saro-as, sem que saibas ou vejas.
E dos fragmentos da tua dor, faço o catalisador
Onde me transcendo e robusteço…
Tal como leoa exacerbada
Amordaço o medo para aparar-te cada tropeço
Ser mãe…
É pulverizar as tuas noites escuras
Com fios de sol, pedacinhos de lua
É ser trunfo, ter fórmula de alquimista
E vibrar a cada conquista tua
Ser mãe…
É voltar a ser criança
Na menina que há em ti
E sorrir para a vida
Quando a vida para ti sorri...
Dulce Gomes