"Somos anjos duma asa só e só podemos voar quando nos abraçamos uns aos outros."

Pensamento de Fernando Pessoa deixado para todos os que estão na lista abaixo e àqueles que passam sem deixar rasto. Seguimos juntos!

OS AMIGOS

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

DESCREVER E LER O MEU PAI...


Eu e o meu pai


Desde que apurei o gosto pela escrita que se aguçou em mim a vontade de escrever as histórias da história de vida do meu pai.
O seu carácter sensível e bondoso, frágil e lutador, aliado à criança que preservou dentro de si, foi talvez a fórmula certa que usou para atravessar os inúmeros e áridos desertos dos seus 87 anos. Um poço de vivências repletas de sabedoria que transporto e guardo dentro de mim.
Há algum tempo que comecei a juntar este espólio sem lhe esconder o propósito, embora ache que ele nunca me levou a sério – até porque nunca se apercebeu que eu escrevo – mas os seus olhos brilham de cada vez que o levo a desfiar as suas memórias e esses momentos vão recheando de conteúdo a minha própria história.
Pelo meio informo-o dos avanços da minha escrita, mas, porque nunca gostei de ler em voz alta para ninguém – por ser lamechas e emotiva – também nunca lhe li na íntegra o que já escrevi sobre ele…até ontem…

Veio visitar-me e atacou assim:
-“Uma vizinha disse-me que me viu no computador”
Em alerta mas escondendo o pânico interior, retorqui com a calma que pude:
 “O pai sabe que eu estou registando em escrita a sua história, não sabe? E também sabe que eu partilho com amigos, no “computador” as mesmas…”
“Pois…sei…mas como é isso, mostra lá…”
Senti que o momento que adiei consecutivamente tinha chegado. Enquanto fui em busca do computador exercitei e estimulei a minha coragem ao mesmo tempo que tentava abrandar as batidas do meu coração, mas cá dentro só dizia: e agora?

Poisei o computador e abri as fotos ao mesmo tempo que ia identificando cada uma com a respectiva história, até que me disse:
- “Lê essa”
Era precisamente a que escrevi contando de forma sucinta a sua história desde menino. Respirei fundo e comecei – pensava eu – cheia de coragem.
Ainda mal tinha começado, o meu pai interrompeu-me com um choro convulsivo, profundo e sentido que me cortou a coragem em pedaços…afaguei-o já sem me esforçar para ser forte e ficámos os dois ali, abraçados com longos intervalos entre os parágrafos para nos recompormos, mas chegámos ao fim. Um fim que – sei – foi um início.
Levei-o à porta num abraço e na despedida disse-me assim:
“O pai já te contou aquela, de como se escondia do avô para não levar “porrada”?”
Respondi que não…
“Atão dexa tar que quando cá vier vou contar…eu fui um menino muito maltratado…”
Com a lagrimita a assomar, mas orgulhoso, finalizou:
“Mas ainda cá tô e tenho as minhas três filhinhas que foi a melhor coisa que Deus me deu”

Obrigado pai…

Dulce Gomes

sábado, 25 de agosto de 2012

RESISTIR...




Às vezes preciso parar.
Parar sem cruzar os braços
Tampouco para desistir
Mas para observar todos os ângulos do meu caminho
Incluindo o que ficou para trás
E nesse balanço retrospectivo
Vi que nunca estive só
Há sempre um ombro amigo
Uma palavra,
Uma luz na penumbra do meu sentir
E se há tempestades que me sacodem a fortaleza
Paira cá dentro a certeza
De que uma força maior
Me mantém de pé
E me ensina a resistir…

Dulce Gomes

domingo, 19 de agosto de 2012

O MEU CAMINHAR...



O meu caminhar?
É feito de silêncios confidentes
Anónimos, invisíveis
Como o vento que se sente e não se vê…
Sigo de mansinho
Rumo à Luz crescente
Num esforço para aceitar
Todo aquele que não crê…
E vou assim na tormenta agitada
Dum cabo difícil de dobrar
E no intervalo de cada passada
Repouso suavemente
na certeza do Teu olhar

Dulce Gomes

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

GRATIDÃO




Um dos meus primeiros gestos ao acordar é abrir a janela e debruçar-me – em silêncio – no parapeito predisposta a consentir que a natureza me fale. Abstenho-me do betão e dos fios de electricidade que me circundam e fixo-me mais além, por entre a fresta que me abre ao horizonte e me agita a dormência com pinceladas de existência.
Estes pequenos momentos alimentam e repõem no meu coração a gratidão pelo dom da vida. Dádiva que por ser efémera merece de mim um acréscimo de vibração que me prepara para receber o presente de mais um dia como uma página em branco onde me defino, depuro e apuro.

Ser grata é a base para desenvolver o que tenho e sou com um olhar desprendido do meu umbigo, porquanto confirmo a minha pequenez; é permitir que a vida me abane interiormente sem ficar inerte perante a necessidade de recuo ou avanço; é conseguir a proeza de exultar de alegria diante de pequenas coisas e sentir-me abençoada perante elas.

É que estar vivo é muito mais do que nos mexermos como autómatos à espera do fim anunciado; Estar vivo é descruzar os braços e estende-los em busca de outros e prosseguir com a certeza de que Aquele que nos deu a vida caminha connosco.

Fica esta frase do Monsenhor Jonas Abib:

"Senhor dá-me a graça de ser, hoje, tudo aquilo que eu devo ser".


Dulce Gomes