Já aqui falei muito do meu pai. Homem curtido pelo salgadiço do mar e coração doce, fruto de muitas vivências que ele soube arrecadar e usá-las para seu crescimento enquanto ser humano. Esta mistura dá-lhe um toque temperado e genuíno que transparece sempre nas suas atitudes e palavras.
Hoje fui com ele ao hospital para que lhe fosse feito um exame. A sala estava repleta de gente mas o silêncio era ensurdecedor, quebrado apenas pela televisão que todos fingiam ver e pelo tilintar do chamamento electrónico que nos faz levantar da cadeira como autómatos. Ao nosso bom-dia foram poucos foram os que retribuíram. Sentamo-nos e o meu pai – como é hábito – não demorou muito tempo até quebrar o gelo silencioso do ambiente. Começou com uma frase circunstancial endereçada para mim, mas rodou um olhar extensível aos presentes, numa espécie de convite à conversa. Um senhor olhou-o atentamente e sorriu e depressa se deu aquele contágio falante tão peculiar na sua presença.
O meu pai, agora já encorajado pela adesão, voltava as atenções para os mais renitentes e o silêncio foi substituído por uma acesa troca de experiências de vida onde não faltou a emoção.
O meu pai, agora já encorajado pela adesão, voltava as atenções para os mais renitentes e o silêncio foi substituído por uma acesa troca de experiências de vida onde não faltou a emoção.
Ele é um contador das histórias que fazem morada na sua própria história. Conta-as com uma simplicidade que lhe é característica onde não cabe nem vaidade nem receio, muito menos alguma espécie de azedume ou complexo pelo que foi ou é.
Calmamente passeou pela sua infância e adolescência; pela sua experiência enquanto filho e enquanto pai. E foi precisamente neste último patamar que os seus olhos ficaram marejados e olhando para mim disse: “as minhas filhas são a melhor coisa que Deus me deu”
Olhei para o lado tentando disfarçar…
É que o meu pai raramente se refere a Deus como um dador de graças, até aqui dizia o mesmo mas referindo-se à sorte como sua aliada e isto comoveu-me...
É que o meu pai raramente se refere a Deus como um dador de graças, até aqui dizia o mesmo mas referindo-se à sorte como sua aliada e isto comoveu-me...
Sim, somos uma graça de Deus. E veio de Deus a graça de ter um pai assim...
Com tudo isto escusado será dizer que quando nos despedimos a sala ficou de conversa bem implementada e a despedida do meu pai foi feita um por um como se conhecesse todas as pessoas desde sempre.