ALMIRANTE DAS HISTÓRIAS
Gosto de puxar pelas estórias do meu pai. Ontem já ao cair do sol fez-nos uma visita. Sabendo a sua propensão natural para rebuscar na memória as suas douradas vivências, eu e o meu marido estimulámos mais uma conversa amena que iria converter-se num momento único que guardarei para sempre, onde não faltaram as lagrimitas intercaladas entre os silêncios para repor a coragem de continuar.
Esta foi uma das que contou ontem.
Ainda na sua juventude, vivendo com uma madrasta/mãe como faz questão de mencionar e com um pai que lhes dava maus tratos, o meu pai, nessa altura já exímio na arte de pescar à cana e única fonte onde ia buscar o sustento no inverno, foi a caminho das rochas para pescar às salemas. Como sempre levava uma cana suplente não fosse o mar levar-lhe alguma ou partir-se.
Mal tinha começado a pescar e vê chegar o "Ti Pardina" com o filho ainda jovem. Iam à pesca dos burrinhos (um peixe que facilmente se deixava apanhar e que abundava por ali). O "Ti Pardina" era forneiro mas, para além de estar desempregado não tinha a perícia nem a destreza dos que como o meu pai faziam da pesca o seu ganha-pão.
O meu pai depois duma breve conversa chamou-o para junto dele e disse-lhe:
-“Ó Ti Pardina venha práqui homem, eu empresto-lhe uma cana e você pesca aqui comigo, aí você não apanha nada.”
O "Ti Pardina" depois de dizer que não sabia pescar lá aceitou a cana já emparelhada. A pesca fluiu e correu tão bem que nos dias seguintes voltaram ao mesmo pesqueiro e a pescaria ainda deu para vender.
Passou o tempo e o meu pai que entretanto começou a namorar a minha mãe e queriam casar, resolveu ir à tabacaria para começar a juntar tábuas das caixas do tabaco para fazer uma casinha (fiquei a saber que as casas eram feitas dessas caixas que depois de despregadas e livres de pregos, serviriam para com muita arte, fazer as paredes para as barracas existentes). Um dia e em conversa o meu pai disse ao "Ti Pardina" que tinha intenção de construir uma casinha. Dotado de boa vontade adiantou com toda a veemência que queria participar na sua construção. Quando chegou a altura o meu pai indeciso, não se sentia à vontade para o chamar mas receando ofendê-lo acabou por lhe dizer.
No dia marcado vê chegar o "Ti Pardina" com dois martelos e pregos na mão, pronto para trabalhar. A tarefa foi árdua para todos mas o empenho do Ti Pardina era notório. Pregou todas as tábuas das paredes. Quando chegou ao telhado foi ele que se prontificou para o construir. Quando acabaram olharam para a casinha erguida, orgulhosos da sua obra. O meu pai acercou-se do "Ti Pardina" (imagino eu de olhito brilhando) e quis saber quanto lhe devia por tanto trabalho, ao que o "Ti Pardina" lhe disse que o meu pai nada lhe devia e acrescentou:
-“ Eu é que te agradeço Joaquim: Lembras-te daquele dia que me deste uma cana, me chamaste para o teu pesqueiro e me ensinaste a pescar? Sabes porque é que fui à pesca mesmo sem saber pescar?”
Esticando a mão vazia, continuou:
-“Porque na minha casa havia tanto para comer como tenho aqui na palma da minha mão. Os meus filhos tinham fome e eu desesperado fugi para as rochas na esperança de apanhar alguns burrinhos. Graças a ti aprendi a pescar, matei a fome lá em casa e ainda vendi 10 salemas.”
Este foi o momento em que o silêncio pesou…o meu pai fez intervalo para arranjar coragem para arrematar a estória, enquanto nós olhávamos para o lado disfarçando a emoção.
Até que o meu Almirante rematou assim:
-“O Ti Pardina era boa pessoa e se ele não apanhasse nada levava os peixes que eu já tinha pescado!”
Quando ele foi embora veio-me à memória aquele provérbio chinês:
"Se queres matar a fome a alguém, não lhe dês o peixe mas ensina-o a pescar”
Lembrei também Jo 21,6
Estavam os discípulos cansados depois duma noite em que lançaram as redes ao mar sem nada pescarem e apareceu Jesus que lhes disse:
"Lançai a rede para o lado direito da barca e achareis peixe."
Obedientes, assim fizeram e a pesca foi abundante.
Jesus não lhes deu o peixe mas disse-lhes onde pescá-lo...
A primeira opção do meu pai também não foi dar o peixe mas ensiná-lo.
Dar: essa virtude que serve de base a tantas outras quando bem aplicada. Dar o que se tem e o que se sabe mas dar sem humilhar nem se enaltecer.
Quando "dar" é o fruto dum grande coração torna-se saboroso com mel e de inesquecível paladar...
A primeira opção do meu pai também não foi dar o peixe mas ensiná-lo.
Dar: essa virtude que serve de base a tantas outras quando bem aplicada. Dar o que se tem e o que se sabe mas dar sem humilhar nem se enaltecer.
Quando "dar" é o fruto dum grande coração torna-se saboroso com mel e de inesquecível paladar...
Orgulho-me de ti, pai!
A tua filha caçula
Dulce
Olá Dulce amiga....!
ResponderEliminarComo sempre fico fascinada com as histórias do Senhor Almirante,sendo todas elas da vida real, e tendo como porta voz a filha caçula,que com tanto amor as vem partilhar.
A vida era dura e a lição que podemos tirar destes dois amigos,foi repartir com o próximo a sua sabedoria, que foi o mesmo que dar comida para toda a vida.
Como agradecimento houve lealdade e muita gratidão.
São exemplos de grande humanidade que nos trazem esta gente mais antiga e mais humilde.Só temos a
aprender com eles.
Para o sr. Almirante das histórias um grande abraço desta sua fã.
Um beijinho com muito carinho para a filhota caçula.
Ana
Um gesto simples e sem segundas ou demais intenções deu uma história e uma lição moral de muito valor.
ResponderEliminarSó tenho de te agradecer esta partilha pois aprende-se mais com estes exemplos do que com grandes sermões de demagogia barata.
Dar sem esperar recompensa e dar com o coração aberto à partilha no amor de Deus e ao nosso próximo.
Quantos por esse mundo se auto destroem porque não sabem dar nem ensinar.
Que linda partilha, e como é bom ter um pai que ainda mesmo agora nos ensina como devemos fazer para ajudar os outros...certo, não é dar o pão já feito, mas sim dar o grão para semear.
ResponderEliminarParabéns minha amiga.
Bewijinhos da Utilia
Encantamento completo por ler esta verdade.
ResponderEliminarComo todos devíamos praticar estes exemplos...o nosso país e o mundo estariam bem melhores!
Nem sofreríamos défices nem crises.
Tudo seria ultrapassado numa entre-ajuda de saberes e de amor incondicional pelo próximo.
Como seria feliz se assim conseguisse viver numa sociedade como Jesus quer que façamos.
Obgda. por esta riqueza de poste.
Abraço forte extensivo ao Senhor seu pai/Almirante
Mer
ai, lá vieram as lagrimitas ..
ResponderEliminarque história tão bonita ...
o teu pai é uma pessoa maravilhosa e muito bondosa , tou a ver que as filhas tem a quem sair , eh eh ..
gostei mesmo muito ..
beijinhos ...
O Sr. Almirante a Presidente Já! :)
ResponderEliminarQue ternura de história... maravilham-me os corações generosos assim. Tudo o que estamos a viver deve-se à crise destes valores e ainda bem que ainda os há. Vivam pois!
Abraço emocionado e grato que estendo aos dois exemplos, com muita admiração.
Nota: Dulce, entendi que o "Ti Pardina" já não está entre nós, mas, que para nós estará vivo e com certeza 'pescando' em outras paragens, homens de boa vontade para ' a Missão' e daí que valerá o abraço enviado daqui.
ResponderEliminar;)
mais Bjs.
Ontem li aqui:
ResponderEliminarhttp://boanovajesus.blogspot.com/2010/11/historinha-ernani.html
uma bela história relacionada com peixes, hoje leio outra... anteontem tentei traduzir um poema de São João da Cruz, do espanhol, e esbarrei na palavra pez, que demorei a traduzir para peixe...
Os primeiros cristãos representavam Cristo com o desenho de um peixe, por isso penso que Jesus está no meio destas pessoas que escreveram ou contaram estas belas histórias...
Beijinhos
Que felicidade seu pai sentiu, não? Linda história verdadeira. O fizestes muito bem publicá-la. A troca acontecida foi um evangelho vivo entre os dois e sempre foi o sonho de Jesus e o que ele pregava. Parabéns, pelo papai.Abração!
ResponderEliminarAmiga Dulce,
ResponderEliminarMuito lindo...
beijinhos,
Gisele
As estórias do nosso almirante,são verdadeiras lições de vida...valores que deixaram fruto e a prova são as filhas lindas que ele tem.
ResponderEliminarNão sei descrever o que sinto neste momento, recordo o meu pai e tenho tantas saudades dele.beijinhos Dulcinha
Amiga Dulce,
ResponderEliminarComovente e linda esta história passada com o seu pai e excelente a sua narrativa.
Gestos solidários de outros tempos que já vão rareando nos tempos que correm.
Para todos vós um grande abraço.
Ailime
Boa noite,amiga Dulce e desculpe a minha ausência,mas isto sem Pc próprio ás vezes não é fácil,mas em breve se Deus quiser, comprarei um novo Pc. Fiquei emocionada com o que acabei de ler. O seu pai foi realmente um bom amigo do Ti Pardina,eu sou fascinada por pessoas que são tão belas como seu pai,com bons exemplos de vida.
ResponderEliminarSe me permite amiga Dulce,deixo um abraço para o seu pai e faço votos que possa durante muitos e muitos anos mais possa estar junto ao seu pai.Muita saúde!
Obrigada pela partilha desta postagem tão bela.Que bem poderia ser uma parábola.
Bom fim de semana e beijinhos.Zézinha C.
História tão bonita e real, esse PAI não há palavras....
ResponderEliminarEstou a brincar... mas a seguir ao meu ,é o seu PAI o maior...que ainda por cima tambem se chama Joaquim.
Um beijinho especial para Ele e que Deus lhe dê muitos anos de vida para contar mais estórias e a Dulce poder partilhá-las.
Bjs Paulinha